Eu, os Outros e Eu Mesmo

 

Para Cortázar, o descarrilhador de trens.

 

 

 

Faço todos os dias,

Por meus caminhos de concreto e água,

O milagre da multiplicação das máscaras.

Máscaras sobre máscaras,

Máscaras dentro de máscaras

Compõem meu olhar gasoso,

Sem face,

Oculto em minhas pupilas em borbulhas.

 

Eu e outros

Disputando as mesmas duplicações,

As mesmas pausas inauditas

Que me lançam

Nos rincões clandestinos

De meus relógios e de minhas encruzilhadas

Em voos que me tornam poeira

Num vento urbano que a tudo quer tornar sépia.

 

Eu e outros

Condenados por seus próprios juízes,

Iluminados por seus próprios relâmpagos

E enterrados na agonia invasora

De tardes em que as nuvens

Fazem da vida tetos gris

Presos em garrafas de solidão

E no sufocamento de meus pulmões carbônicos.

 

Eu, expulso,

Os outros, titulados,

Os outros, sóbrios,

Eu, envenenado,

Eu e os outros, lado a lado

Em távolas de jantares pétreos,

Multiplicados em corredores

De espelhos e reflexos inoxidáveis.

 

Eu, esculpido e nauseado

No mármore negro do olhar dos outros,

Por eles procuro

Na fumaça adocicada e risonha de seus cigarros.

Nestas veredas que terminam em gigantes cogumelos,

Sempre me perco em meus sonhos,

Em horizontes que fundem todas minhas cores.

Não acho esses lugares de areias cinzas e amarelas

Que sequer sei o que são.

Talvez brasas

E contrastes de azul e negro

Construídos sob caminhos de cristal.

 

Lucas corta as cabeças da hidra

E se recompõem em si mesmo,

Querendo sempre ser Lucas

E sempre sendo hidra.

Passo os dias a tirar minhas máscaras,

Perco minha face e meu olhar,

Como se perde foco com lágrimas acéticas,

E volto sempre a por máscaras,

Para continuar minhas duplicações.

 

Porto Alegre, 28∕02∕2013, na tarde em que nasci de novo.